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Na bagagem, trinta e dois anos de feira livre

Publicado em 11 de maio de 2016

A feira livre de Santa Branca não se limita à sua história como comércio. Na única feira livre do município, existem pessoas que, mesmo exaustas dos longos anos de trabalho, driblam as dificuldades com sorrisos nos rostos para manter o próprio sustento

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Ela é Santina de Fátima Bebiana da Silva. Feirante em Santa Branca há 32 anos, local onde esbanja simpatia atrás de sua barraca de verduras. Por trás do sorriso e descontração, um relato de vida cheia de garra para driblar as dificuldades do dia a dia.

Dos 59 anos de idade, Fátima carrega 36 de trabalho com a feira livre. Nascida na cidade de Biritiba Mirim, interior paulista, começou a trabalhar na feira quando tinha 23 anos em sua cidade natal. Vinda de família humilde morava com os pais e dois irmãos. A família tinha uma plantação de arroz e feijão, e ela ajudava no trabalho todos os dias. A feirante relata que passou por dificuldades. A principal delas foi a falta de condições para estudar. “Estudei só até a terceira série. A gente morava num sítio e lá não tinha escola, precisava ir pra cidade e muitas vezes meu pai não conseguia nos levar para lá”, conta.

Aos 23 anos, quando iniciou o trabalho como feirante em Biritiba Mirim, começou a trilhar seu futuro. Na feira livre, Fátima estabeleceu vínculos especiais. No início do trabalho como feirante, Fátima conta que conheceu Sérgio Takubo, um japonês com o olhar escondido debaixo das abas do inseparável boné. Hoje, Sérgio é marido de Fátima. Casados há 25 anos, eles se conheceram na feira livre. “Na época, ele morava num sítio próximo a minha cidade. Ele ia à feira sempre. Eu o conheci através de uns amigos. Daí eu gostei dele”, relembra a feirante.

Em 1990, o casal oficializou a união. Desde então não se separaram mais. Fátima não tem papas na língua quando perguntamos se ela é feliz com a escolha. “A gente não escolhe, isso é sorte. Na época, ele tinha uma vida difícil, daí eu o conheci e comecei a gostar dele. A gente não fala em amor hoje em dia, a gente diz apenas que gosta”.
Fátima e Sérgio tiveram duas filhas, uma de 23 anos e outra de 25. Recentemente, a mais velha presenteou os pais com uma netinha. Quando Fátima conta sobre a neta Nicole, de um ano, é visível a paixão na fala e no olhar.

Ao relatar sua história, a feirante dispõe de um vocabulário monossilábico no que diz respeito ao futuro e bons momentos que marcaram sua vida. As dificuldades que Fátima enfrentou para construir a família e se firmar no trabalho, mostram que nada foi fácil. Essa realidade torna-se mais clara quando a perguntamos se ela é feliz sendo feirante. “Olha, feliz a gente nunca é. A gente faz as coisas porque precisa mesmo. Hoje em dia, acho que não tenho sonhos”, afirma.

O casal conheceu a cidade de Santa Branca pela “boca do povo” como eles mesmos dizem. Há 32 anos conquistaram sua barraca e ali comercializam verduras e legumes. Os produtos são comprados em Biritiba e Mogi das Cruzes. A feira é o único sustento da família. “Eu escolhi a feira de Santa Branca para trabalhar porque diziam que comparada a outros lugares, a cidade era bem rica. Só que tem sido cada vez mais difícil o lucro. Eu continuo aqui porque eu preciso trabalhar para sustentar a família”, esclarece Fátima.

A feirante tem uma rotina simples. O casal ainda mora na cidade de Biritiba Mirim e se desloca para Santa Branca apenas aos sábados. Sérgio, nas horas vagas, gosta de pescar. Já dona Fátima diz que não faz nada de lazer. Paralelo às atividades na feira livre, ela se desdobra no trabalho doméstico e, além de cuidar da neta, também se dedica a cuidar da mãe que hoje tem 90 anos. “Não dá tempo de se divertir. Tenho que limpar a casa, lavar roupa e fazer comida para a minha mãe”, explica.

O lucro no trabalho com a feira livre tem sido desafiador. Ao longo dos anos, o movimento neste comércio vem diminuindo gradativamente. “Não dá para viver muito bem. O dinheiro é contado todo mês para pagar as contas”, acrescentou dona Fátima.
Quando questionados sobre o que os motiva a acordar cedo todos os sábados para se locomover à feira livre, a resposta foi uníssona, parecida com a motivação do Celyo da barraca de flores: o convívio com os amigos e clientes. “A gente acaba convivendo com várias pessoas. Tenho clientes que são fiéis até hoje. Muitas vezes você precisa ter paciência e ser uma pessoa legal, independentemente de qualquer coisa”, afirma Fátima.

Em meio à dura rotina e as dificuldades enfrentadas na vida, Fátima diz que não mudaria nada em sua história. A feirante leva a sério o compromisso firmado no casamento e o conceito de família. “Não adianta eu falar que não valeu à pena, porque não vou poder voltar atrás e nem quero. Quando você constrói uma família, não pode se desfazer dela de jeito nenhum. É para a vida toda”, ressaltou a feirante.

O cansaço de anos trabalhados neste comércio bate à porta. Diferente do feirante Celyo Ishikawa, Fátima não pretende ficar na feira até cair. “Para ser sincera, não pretendo ficar por muito tempo na feira. Espero me aposentar em breve. Depois de certa idade, a gente começa a cansar”, desabafa.

Fátima não vê esperança de uma realidade melhor por falta de incentivo, mas vê graça nas pequenas coisas. Ela mesma se define como “palhaça” e diz que adora conversar com todo mundo.

Reportagem: Natalee Neco e Maiara da Mata

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