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Por trás das barracas, histórias despercebidas

Publicado em 7 de abril de 2016

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Ele se chama Celyo Ishikawa e tem 69 anos. É feirante em Santa Branca. Nasceu em Shikoku Ehime Ken, província do Japão que fica a noroeste da cidade de Shikoku. Desembarcou em solo brasileiro para fugir das severas consequências da Segunda Guerra Mundial, 58 anos atrás.
Quando perguntado se sente saudades do seu país de origem, o japonês, com sorriso tímido, diz guardar com carinho apenas a recordação de suas brincadeiras de criança na neve. “Saudade eu tenho, mas não quero visitar lá. Queria ser brasileiro”, responde sem deixar dúvidas.
Com um português impecável, Celyo conta que aprendeu a pronunciar a língua madrasta de forma correta depois que começou a trabalhar na feira, há cerca de 30 anos. Só que até chegar à sua barraca de flores em Santa Branca, o japonês de alma brasileira viveu uma longa trajetória de trabalho. “Minha vida é uma novela. Só não matei, nem roubei. De resto, fiz um pouco de tudo”.
Quando saiu de Shikoku Ehime Ken, tinha 11 anos. Veio com os pais e os cinco irmãos, para tentarem uma nova vida. A Segunda Guerra Mundial acabou em 15 de agosto de 1945, ano em que Celyo nasceu. “Vivíamos o pós-guerra, né? Não tinha comida suficiente. Não é igual o Brasil, que você vai à bananeira e colhe. As terras são pequenas e infrutíferas”, descreve.
A família Ishikawa veio para o Brasil porque na época, um tio paterno de Celyo morava no Estado de São Paulo, na cidade de Valparaíso. Foram 364 famílias que embarcaram numa viagem de navio que durou 52 dias. Celyo recorda que não teve medo e aproveitou esse longo período para pescar.
Com 11 anos, abria mão de correr atrás de pipa para ajudar seu pai. No início, eles investiram na plantação de algodão e, anos depois, na plantação e colheita de verduras. O garoto japonês batia de porta em porta para vender as verduras e garantir o sustento da família.
Celyo cresceu, estudou até o Ensino Médio e começou a trabalhar com cultivo de flores e jardinagem. Casou-se com uma japonesa, estão juntos há 33 anos e são pais de gêmeos (Nancy e Caio de 29 anos). A providência do lar e os estudos dos filhos foram todos frutos do seu esforço.
Por causa do trabalho, a família percorreu diversas cidades do interior paulista. “Meu serviço era somente jardinagem oriental. Só que a gente faz, capricha e eles não pagam. Aí, decidi apenas cultivar flores”, explica o japonês.
Em 1989, quando Celyo trabalhava na cidade de Guararema, um amigo comentou que a feira livre de Santa Branca era uma das melhores da região e não tinha, até então, barraca de flores. Na mesma semana, visitou a cidade, entrou em contato com a prefeitura e teve o direito de obter sua própria barraca. Tornava-se, a partir daí, feirante registrado de Santa Branca. Surge a primeira barraca de flores da cidade e inicia-se uma nova etapa na vida de Celyo.
São 25 anos de história na feira livre e, hoje, o feirante vive apenas disso. Todos os dias ele acorda por volta das seis da manhã, caminha em seu sítio na zona rural santabranquense, começa a trabalhar e só termina quando o sol se põe.

O feirante diz que o lucro do trabalho era melhor anos atrás. Hoje, metade do que comercializa, sobra. Mas, mesmo com a diminuição das vendas, o feirante não se desanima. Celyo chega à feira todos os sábados às sete da manhã e conta que o que mais o motiva a trabalhar é encontrar os clientes e amigos. “Gosto de atender bem e agradar o freguês. Sem o freguês você não vive. Toda semana ele vem e pode virar seu amigo”.

Nas horas vagas gosta de ler revistas de samurais, em japonês. O único irmão de Celyo que mora no Japão vem visitar a família de três em três meses e traz revistas de presente. Além disso, Celyo cultiva um hábito peculiar. Desde os 17 anos, ele escreve um diário em japonês para relembrar o que foi vivido e para não esquecer a escrita de seu idioma oficial. Conto tudo o que acontece comigo. Meu diário é enorme e faz muito bem pra mim. Os anos passam e está tudo anotado”.

Celyo afirma nunca ter ficado doente e quando perguntamos até quando ele pretende trabalhar, o japonês disse de imediato: até cair. “É cansativo, mas não pretendo deixar de ser feirante tão cedo”.

Reportagem: Natalee Neco e Maiara da Mata

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