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ELEIÇÕES 2020 – FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO POLÍTICA

Publicado em 21 de setembro de 2020

 

 

Analisando os crimes eleitorais face aos impactos das Fake News no cenário penal, usando como base a experiência pessoal e profissional, mais precisamente nas eleições de 2016, 2018 e pré-campanha 2020, percebemos modificação significativa no modo em fazer política e no marketing político.

A mutação sistemática e não tão repentina face a evolução e da jurisprudência eleitoral, causou um impacto significativo o que até agora não foi entendido muito menos absorvido por grande parte do meio político.

Já não é de cedo que as notícias políticas e policiais andam em paralelo, porém nos últimos anos o cenário penal tomou relevância nas notícias políticas.

Desde 1881 foram fixados crimes relacionados ao processo eleitoral e os crimes ali fixados não fogem tanto da realidade de hoje.

Hoje em dia cerca de 90 tipificações estão divididas na legislação penal eleitoral, onde também abarca a questão das fake news, porém de forma indireta. O TSE entende que a tutela penal, como ultima ratio no sistema jurídico, deve ser acionada para condutas que busquem fraudar o núcleo essencial das normas que estruturam o direito eleitoral.

Os crimes de calúnia, injúria, difamação e denunciação caluniosa estão descritos no Código Penal, bem como no Código Eleitoral. Não se trata de dupla tipificação penal, pois os crimes descritos no Código Eleitoral têm em seu núcleo do tipo a finalidade eleitoral o que não consta no núcleo dos tipos do Código Penal.

Mentiras divulgadas como verdade, vem desde a época da criação humana, segundo o cristianismo. O termo fake news, foi difundido com a eleição de Donald Trump. No Brasil ganhou espaço nas eleições de 2018.

Notícia falsa. Em comunicação existe a discussão terminológica que não pode ser “news” aquilo que é “fake”. Assim a expressão técnica seria apenas “fake”.

Nas eleições de 2018 houve uma grande movimentação ao combate deste tipo de prática, visando garantir a lisura das eleições.

Como já abordado nem tudo que é “fake”, é crime. A relação está mais estreitada com os crimes contra a honra do Código Penal e com o Código Eleitoral, onde as penas são quase insignificantes e com resultados no direito eleitoral inexpressivos.

Atualmente os esforços práticos se resumem em ferramentas das redes sociais. O poder judiciário impõe as empresas de comunicação e das redes sociais o dever de se auto organizar e evitar esse fenômeno. Isso tende a mudar. Tanto que o STF fez um brusco movimento de autodefesa contra fake news e contra-ataques direitos contra a honra, com a justificativa de que tais fatos acarretariam no enfraquecimento da instituição. Tal movimentação foi uma mostra do interesse do judiciário no combate a fake news.

A relevância para o direito penal está apenas no início e deve se ampliar com o tempo, em virtude no maior perigo apresentado: a contaminação do pleito eleitoral e o ataque direito a democracia.

Com o advento da tecnologia, as eleições estão nas mãos, não dos coronéis, mas sim de um empreendedor mundial Mark Zuckerberg. Apesar de toda impressa fazer parte deste cenário, o empresário tem destaque por ser dono das duas maiores redes sociais e do maior canal de mensagem rápida do mundo, facebook, instagram e whattsapp.

A situação é tão grave que nas eleições da Espanha de 2019, as páginas e perfis de partidos políticos e candidatos, foram desativados pela empresa em virtude do risco eminente de contaminação total do pleito. Zuckerberg, admitiu que perdeu o controle naquele momento e havia risco nas redes políticas.

O risco é constitucional. Garante a carta magna que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a cidadania e o pluralismo político, entre outros.

Impossível o exercício da cidadania plena neste cenário. A cidadania plena somente pode ser exercida com os direitos políticos em vigor, ou seja, o direito ao sufrágio universal. Somente é cidadão aquele que participa das escolhas políticas do país. Assim baseado em mentiras, calunias e ataques pessoais é impossível o exercício pleno da cidadania, pois estaria sendo influenciada diretamente.

Assim nota-se que o problema das fake news, está relacionado acima do direito penal, está relacionado no direito constitucional, fere diretamente direitos fundamentais a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Coloca em risco a própria republica e a própria existência do Estado.

Friedrich Muller (2000:57, 115) diz que a democracia se fundamenta na determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. A democracia acaba por se revelar um eminente valor que foi construído ao longo da história. A própria observância do respeito à dignidade humana revela esse valor da democracia, pois se trata de um fundamento de qualquer regime democrático.

O princípio da lisura das eleições deve ser observado por todos aqueles que participam do processo eleitoral. Seja o Ministério Público, a Justiça Eleitoral, os partidos políticos ou candidatos.

Apesar do entendimento de que os crimes conexos ao eleitorais devem ser julgados na justiça eleitoral, a lisura nas eleições e fake news será o grande enfrentamento na legislação eleitoral penal.

Não é possível a supremacia do Estado sem transparência. O grande impacto está por vir. O endurecimento aos crimes contra a honra ou a intervenção direita do setor privado nas divulgações de informações será inevitável para garantir a lisura das eleições e a estrutura das instituições.

Apesar de ser um problema relativamente novo, com o impacto das redes sociais, a Constituição Federal de 1988 garantiu a liberdade de expressão vedada o anonimato.

Alexandre de Moraes entende que a Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral.

Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias.

O decano Celso de Mello analisa que a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, entre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de criticar. A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercestes, ou não, de cargos oficiais. A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

Não induz responsabilidade civil à publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.

O STF tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.

Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus juízes e tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa.

Mesmo com cerca de 25% dos crimes eleitorais caindo em desuso, sendo inconstitucionais ou não recepcionados, os crimes contra a honra no cenário eleitoral avançam com a promulgação do artigo 326-A do Código Eleitoral, trazendo uma grande inovação jurídica face ao artigo 339 do Código Penal, seu irmão gêmeo. Apesar da inovação da lei 13.834/2019, estar meio camuflada no artigo 326-A, a possibilidade de imputação de ato infracional, diferentemente do código penal, traz abrangência maior ao dispositivo legal.

Enquanto os crimes eleitorais, caem em desuso, o combate aos crimes contra a honra, notadamente a disseminação de fake news, avança tanto na Lei, nas resoluções e na jurisprudência dos tribunais.

A problemática clara que a contradição entre a Constituição que veda o anonimato e a própria resolução que limita as situações de remoção de conteúdo e fornecimento de dados pelos provedores de comunicação. Sendo assim, apesar da Constituição vedar, o anonimato acaba sendo permitido desde que não se verifique qualquer crime contra a honra.

De fato, temos algo mais profundo que ameaça a própria constituição. Um novo profissional foi criado na política nacional. O criador de desinformação e de notícias de ódio.

No cenário político a repercussão é grande tendo em vista que parte do financiamento destes da criação de fake news podem ser com recursos públicos, pois seria coordenado por servidores públicos, comissionados em grande maioria e em outros casos financiado por políticos com mandatos. O impacto social é tão grande, que o congresso vem debatendo a CPI das Fake News, exatamente sobre o tema.

A maior preocupação no momento deve ser quanto aos municípios. Com as eleições municipais a organização, massificação e propagação de Fake News, desinformação, construção de imagem negativa, difamação e conteúdo de ódio tende a crescer.

Quando se fala em Fake News logo se pensa em notícia falsa, mas a questão é mais profunda. Envolve manobra das massas, ou seja, influência sobre a população e utilização de recursos públicos, o que no mínimo seria improbidade administrativa.

A produção diária e continua de material publicitário nas redes sociais tem custo, e por vezes elevado. Esses custos em tese podem ser financiados por aqueles que tem interesse direto. Por muitas vezes políticos eleitos.

A propaganda negativa ou falsa tem origem nas guerras. Todas as potencias envolvidas na Primeira Guerra Mundial valeram-se desta atividade para angariar apoio e reduzir a moral dos povos inimigos. Assim na propaganda política, mentiras eram divulgadas amplamente.

Para Neisser, autor do livro Crime e Mentira na Política, afirmar que o voto livre tem previsão constitucional impõe relacionar este direito à sua principal conseqüência: a verificação de uma eleição com credibilidade, que tenha o condão de refletir na medida do possível a somatória das vontades individuais dos eleitores.

De fato, o trabalho de desinformação ataca não apenas o agredido difamado, mas acerta em cheio a sociedade e a democracia. Uma sociedade exposta constantemente a fatos tendenciosos mesmo em redes sociais, está condicionada a expressar essa exposição nas urnas, nas eleições.

Desta forma é claro e solar que a desinformação atenta contra o próprio Estado Democrático de Direito e contra a sociedade.

Trata-se de aplicação hermética para determinar a remoção do perfil das redes sociais. Carlos Maximiliano, tinha uma máxima sobre a lei em alguns casos: “Por fora, o dizer preciso; dentro, uma policromia de ideias.” Carlos Maximiliano, ainda prosseguia pautando que se foge do embaraço com substituir a realidade impalpável, inatingível, por uma ficção: o juiz recorre ao que se supõe que o legislador quis ou, pelo menos, deveria ter querido. A última hipótese é a mais frequente, pois se refere aos casos em que não aparece claramente a intenção do autor de um texto positivo. Por isso, respondeu bem o célebre membro da Courtof Common Pleas, no século quatorze, quando lhe perguntaram qual a vontade do legislador, ou, ao menos, a dos juízes, manifestada em várias decisões: “lawisreason”. “A lei é a razão”, é a obra do bom senso, aplicação lógica de um princípio superior as realidades sociais contemporâneas.

A hermética defendida no início do século passado que o juiz aplica, hoje, os preceitos anulatórios dos contratos incompatíveis com a moral; porém, toma por base está como se entende no presente, e não a da época em que foi o texto promulgado. A ação do tempo é irresistível; não respeita a imobilidade aparente dos Códigos.

Desta forma, é caso de aplicação hermenêutica dos crimes contra a honra, denunciação caluniosa e propaganda inverídica para remoção, identificação e penalização dos criadores e financiadores de propaganda negativa antecipada ou não, em massa.

A liberdade de expressão está altamente garantida na constituição e pela larga jurisprudência do STF, porém o anonimato e a profissionalização da produção industrial da desinformação são vedados e estes será o grande desafio das próximas eleições.

Adriano Alves – advogado especialista em direito criminal, publico e eleitoral. Pós graduado em direito eleitoral pela EPM (Escola Paulista da Magistratura) e pelo TRE/SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), Membro Efetivo Estadual da Comissão de Direito Eleitoral – OAB SP (2019/2021).

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