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Os números escondidos na contagem de calorias: dietas da moda ‘sabotam’ valor nutrológico dos alimentos

Publicado em 28 de setembro de 2022

 

Para emagrecer, você precisa comer menos do que gasta. A conta é matemática, mas as calorias escondem informações importantes da composição de macro e micronutrientes: e no final das contas, mesmo com quilos a menos, a saúde metabólica pode ir pelos ares
calorias

 As dietas da moda para o emagrecimento não são nada além de estratégias que visam melhorar a adesão de um paciente a um novo plano alimentar em que ele deve comer menos do que o seu corpo gasta de energia. Esse perfil energético negativo (comer menos do que gasta) é chamado de déficit calórico e passa por uma conta matemática que leva em consideração peso, idade e altura para determinar a taxa metabólica basal. “Quando comemos mais calorias do que gastamos, invariavelmente aumentaremos o peso. Por isso, o que é imprescindível para o emagrecimento é o déficit calórico, ou seja, consumir menos energia do que se gasta. Para entender o déficit calórico, devemos também entender como se dá o balanço energético, que é o cálculo entre as calorias que o nosso corpo gasta para se manter em funcionamento e as calorias ingeridas e podem ocorrer três situações: 1) Balanço energético neutro: ingestão das mesmas calorias gastas, assim ocorre manutenção do peso; 2) Balanço energético positivo: ingestão de mais calorias do que o gasto e assim o peso corporal aumenta; 3) Balanço energético negativo: ingestão de menos calorias do que o gasto e o peso corporal diminui”, explica a Dra. Marcella Garcez, médica nutróloga diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). “Existem várias fórmulas para calcular o gasto energético basal, vários equipamentos, programas e aplicativos que fazem com dados simples das pessoas, como idade, altura e peso. Os fatores que influenciam no déficit calórico são o gasto metabólico basal, peso, altura, idade, massa muscular, atividades diárias e prática de exercícios físicos”, diz a médica. Até aí nenhuma novidade, mas a simples e pura contagem de calorias é o melhor caminho? “Você pode estar em déficit calórico e comer uma refeição de 300kcal de salada, vegetais e proteínas magras ou 300kcal de algodão doce, mas o efeito metabólico não será o mesmo. Alimentos de calorias vazias, sem nutrientes, ricos em carboidratos simples aumentam o pico de insulina, que é um hormônio produzido pelo pâncreas que leva a glicose para as células do corpo, estimula as células adiposas a formarem mais gorduras e pode contribuir para o aumento do apetite. Além disso, os carboidratos simples têm um tempo de digestão menor e isso interfere na saciedade, o que pode fazer com que você se sinta com fome logo após ter comido. Você pode até chegar no seu objetivo, mas se seus hábitos alimentares incluem carboidratos simples em excesso, dificilmente você manterá o peso de forma sustentável e duradoura, além de poder ter outros problemas de saúde, como diabetes e doenças metabólicas”, afirma a Dra. Marcella.

 

Cada porção de alimentos tem uma distribuição específica de macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras), expressos em gramas. Em um mundo perfeito, entregar-se a uma porção diária de batatas fritas em vez de amêndoas seria uma escolha simples, e nenhuma consequência negativa resultaria da escolha da opção salgada e frita – se ambos tivessem a mesma quantidade de calorias. Uma pesquisa recente, publicada no American Journal of Clinical Nutrition e financiada pela indústria da batata, até parece nos dar essa falsa impressão, sugerindo que não há diferença significativa entre comer uma porção de 300 calorias de batatas fritas e uma porção de 300 calorias de amêndoas todos os dias durante um mês, em termos de ganho de peso ou outros marcadores de risco de diabetes. “Acontece que temos um valor nutrológico em cada alimento e nesse caso estamos falando de dois opostos: a amêndoa é um alimento in natura riquíssimo em gorduras saudáveis, proteínas, com boa fonte de vitaminas do complexo B (riboflavina e niacina), vitamina E e dos minerais essenciais cálcio, ferro, magnésio, manganês, fósforo e zinco, além de ter fibras alimentares; a batata frita é uma preparação culinária que pode ser um ultraprocessado (se não for feita em casa), rica em carboidrato de alto índice glicêmico, frita em óleo de imersão e com alto teor de gordura saturada (relacionada ao aumento do colesterol ruim), com conservantes e espessantes que podem fazer mal à saúde”, explica a médica. “É importante salientar que a própria diferença na composição de macronutrientes (a amêndoa rica em gorduras boas e proteínas enquanto a batata frita tem carboidratos de alto índice glicêmico e gordura saturada em abundância) já nos dá uma ideia de que existem diferenças nada sutis nesses alimentos. Os carboidratos são fontes rápidas de energia e, no caso da batata frita, têm alto índice glicêmico, causando picos de glicose e insulina no sangue – o que a longo prazo pode resultar em problemas metabólicos como diabetes. Já a composição de gorduras boas e proteínas é responsável por diminuir os níveis de açúcar no sangue, além de reduzir o colesterol ruim”, diz a médica. A especialista explica que as proteínas são necessárias para o crescimento, construção e reparação dos tecidos que compõem todas as estruturas corporais, além das enzimas envolvidas no metabolismo e a constituição de todas as células incluindo seus genes. “As gorduras têm função de armazenamento de energia, proteção térmica e contra lesões de órgãos nobres e estruturas corporais, compõem as membranas celulares, o sistema nervoso, participam da síntese de determinados hormônios e do transporte de algumas vitaminas”, diz a médica.

 

Talvez comer lascas de batata frita em vez de amêndoas recheadas de proteína não vá melhorar a balança no curto prazo, mas isso não torna a decisão tão saudável. Amêndoas crocantes e satisfatórias oferecem benefícios à saúde, incluindo a redução do colesterol LDL “ruim”. “A longo prazo, as amêndoas são uma opção muito melhor para ajudar a evitar doenças crônicas – incluindo diabetes – ou retardar suas complicações”, diz a médica. “Aprendemos com muitas publicações científicas nas últimas duas décadas que estudos de perda de peso com duração inferior a um ano provavelmente fornecerão resultados enganosos, portanto, um estudo com duração de apenas 30 dias é menos do que inútil. Por exemplo, estudos de seis meses ou menos mostram que dietas com baixo teor de gordura reduzem o peso corporal, mas estudos com duração de um ano ou mais mostram o contrário”, diz a médica.

 

Nesse estudo problemático, os pesquisadores dividiram aleatoriamente um grupo de 165 adultos (idade média de 30 anos; 68% mulheres) em três grupos por 30 dias e os designaram para comer uma porção diária de 300 calorias de um dos seguintes: amêndoas torradas e salgadas (cerca de 1/3 xícara); batata frita simples (porção média); e batata frita temperada com ervas e especiarias (porção média). Os pesquisadores forneceram aos participantes 30 porções de um único dia de seu alimento, dizendo-lhes para incorporá-lo em sua dieta diária, mas não oferecendo instruções adicionais para alterar a dieta ou os níveis de atividade para compensar a ingestão de 300 calorias. A quantidade de gordura nos corpos dos participantes foi medida, juntamente com o peso total, açúcar no sangue, insulina e hemoglobina A1C (um reflexo de longo prazo dos níveis de açúcar no sangue) no início e no final do mês. Cinco participantes de cada grupo também foram submetidos a testes pós-refeição para avaliar as respostas de açúcar no sangue a curto prazo. Após 30 dias, as mudanças na quantidade de gordura corporal e no peso corporal total foram semelhantes entre os grupos de batatas fritas e amêndoas. Assim foram os níveis de glicose e insulina medidos através de exames de sangue após o jejum. Uma diferença importante surgiu, no entanto: os participantes do subgrupo de batatas fritas tiveram níveis mais altos de glicose no sangue e insulina logo após comer suas batatas fritas em comparação com os comedores de amêndoas. “É tentador concluir que não há muita diferença entre batatas fritas e amêndoas – são as calorias que contam. Mas uma leitura mais atenta reforça a noção de que dois itens geralmente colocados em extremidades opostas do espectro de alimentos saudáveis ainda estão mais distantes do que os resultados do estudo podem nos fazer acreditar. A única descoberta clara foi que o consumo de batatas fritas aumentou a glicose no sangue e a secreção de insulina muito mais do que as amêndoas. Isso é consistente com estudos de longo prazo que mostram que o consumo de batatas está associado a um risco aumentado de diabetes tipo 2, especialmente quando comparado aos grãos integrais”, diz a médica.

 

Portanto, no final das contas, as calorias contam, mas não somente elas. “O nosso corpo precisa ser nutrido, algo que 300kcal de algodão doce, batata-frita e outros alimentos ultraprocessados não farão. Eles não são proibidos em nenhum plano alimentar, mas devem ter seu consumo reduzido, enquanto priorizamos alimentos in natura, com maior valor nutrológico, compostos também por vitaminas, minerais e antioxidantes que trarão benefícios a longo prazo”, explica a Dra. Marcella. “Apesar de ser um dado importante, é absolutamente equivocado focar apenas nas calorias como fator de escolha para o consumo alimentar. Muito mais relevante é conhecer a composição dos alimentos e suas funcionalidades. Dependendo da composição, um alimento com menos calorias pode ter mais impacto no balanço energético que um alimento mais calórico. Por exemplo, uma fatia de pão branco costuma ter um pouco menos calorias que uma fatia de pão integral, porém o processo de digestão e absorção da fatia de pão integral é mais lento e gasta mais energia do organismo, portanto ao final uma menor quantidade de calorias sobra, quando comparada com o pão branco”, destaca a médica. “Devemos priorizar o consumo de alimentos preferencialmente frescos, tomando o cuidado de equilibrar os grupos e ingredientes alimentares, sempre da forma mais variada possível”, finaliza a nutróloga.

FONTE:

*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez

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