Um olhar no espelho
Publicado em 3 de novembro de 2023
Por: Joice Duarte Batista
“Todo conhecimento começa com o sonho”. Rubens Alves
Pode parecer um ato cotidiano e corriqueiro, pela manhã talvez, antes de sair de casa ou após o banho com a imagem ainda embaçada, todos olhamos para o espelho. O que vemos não nos surpreende, não nos assusta, nem desperta nossa curiosidade. A mesma face um pouco mais envelhecida, alterada por algumas rugas, mas é a mesma pessoa que sempre vimos após tantos olhares. Até que um dia, por alguma razão nos detemos diante dele, o espelho, nos surpreendemos com ela, a imagem e nos perguntamos quem é ela, a pessoa.
O que vejo quando contemplo com mais detença e vagar diante do espelho? Ainda consigo ver a menina que nasceu em 20 de janeiro de 1987, no parto gemelar em Goiânia- Goiás, que seria apenas mais um parto não fosse a orfandade que chegou 5 dias depois, deixando duas meninas sem explicações, mas com choros constantes e um silêncio perene, que iriam nos acompanhar por toda a vida. A alegria da vida chegou com a dor da morte. Uma condição dúbia que só compreenderia, depois, com os olhos da Fé. Ainda sou, Joice Duarte Batista, uma menina que nasceu numa família simples, filha de um Pastor e economista e uma mãe professora que nos deixou antes que eu pudesse conhecer seu colo. A família cresceu, hoje somos 7 filhos, 4 netos, noras, genros, e tantos familiares, tal qual na casa de muitos de vocês, que sofreram e sofrem situações semelhantes e dramas similares, embora dor não se compare, apenas a sentimos, cada um do nosso jeito.
Minha memória nunca foi fiel aliada, mas ainda sou a quase adolescente que aos 13 anos adorava lecionar e cuidar das crianças na Escola Bíblica Dominical, ali foi meu primeiro encontro com a arte de ensinar. Sou ainda a jovem de 19 anos que cursava Ciências Sociais na Universidade Federal de Goiás. Descobrindo que o mundo não é exato, e a vida não é plenamente explicável. Talvez por isso escolhi a Sociologia ciente de que não é uma disciplina consensual no seu objeto, nos métodos e teorias. Me dediquei a entender o que Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, entendem da vida, conhecendo suas distintas perspectivas. Ciência Política, Antropologia, Ciências Sociais implicam em variações inerentes que prima por apresentar teorias e narrativas no esforço de nos explicar, essa sou eu.
Depois vieram o Mestrado e a experiência de Docência, Pesquisas, Coordenações e a Gerência de saúde mental do Estado de Goiás. Esta última possibilitou vivenciar o “sujeito no seu contexto, realidade material e simbólica”, coloco assim entre aspas por serem termos acadêmicos e científicos, mas que significam apenas a mesma necessidade da menina, adolescente e jovem que fui de entender a vida e nossas conexões. Para coordenar e implantar os serviços da Rede de Atenção Psicossocial foi necessário me equilibrar sobre o tênue fio da saúde mental, onde o indivíduo busca uma frágil esperança de constituir interações e estabelecer relações sociais, nem sempre deleitáveis, mas que nos faz humanos. Logo, é a partir desse conhecimento teórico e experiências pessoais que procedem o que penso e digo, sobre a compreensão do cuidado humano, na necessidade de convívio e cooperação, integração e socialização, que você lerá aqui.
Essa sou eu, ainda olhando para o espelho e tentando compreender quem eu sou, mas também quem somos nós e quem são vocês. As reflexões resultantes do que estudei e aprendi, mas também do que experimentei e vivo como mulher, esposa, mãe e especialmente como socióloga, estarão aqui para oferecer o cuidado que, espero, as minhas palavras expressem, por meio da sociologia do cuidado, o cuidado no passado histórico, ou melhor, do seu presente, ou melhor ainda, de si mesmos e de nossas Conexões Humanas.